sexta-feira, 20 de novembro de 2015

TRANSFUSÕES DE SANGUE: MÉDICOS X TESTEMUNHAS DE JEOVÁ.


Uma menina de 9 anos, com leucemia aguda, precisa de uma transfusão de sangue. Mas os pais, adeptos da religião Testemunhas de Jeová, não autorizam o procedimento. Um aposentado de 84 anos, com pneumonia grave e também testemunha de Jeová, necessita de transfusão, mas, do mesmo modo, a família não dá o aval.

Casos assim são mais comuns do que se pensa no Brasil, e o de Armando Wolff, o aposentado em questão, é o ponto de partida de um inquérito no Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro –em uma investigação que traz à tona o embate entre fé e ciência, o papel do Estado na proteção do cidadão, o dilema moral de médicos e o conflito entre dois direitos fundamentais do homem: à vida e à liberdade de escolha.

Armando Wolff foi internado em 25 de julho de 2010 na Clínica São Lucas, em Macaé, no Norte fluminense. Segundo o prontuário médico, tinha dispneia (falta de ar), arteriosclerose e infecção urinária de repetição, além de anemia crônica. O quadro evoluiu para pneumonia gravíssima. Anêmico e inconsciente, não reagia aos medicamentos, e o hospital tentou que seu filho, Aldo, autorizasse a transfusão de sangue.

Sem autorização do filho, o hospital de Macaé foi à Justiça, argumentando que tinha o dever de salvar o paciente. A transfusão foi autorizada pela Justiça e realizada em 18 de agosto de 2010. Armando Wolff morreu 11 dias depois.

Aldo iniciou, a partir daí, o périplo que deságua no inquérito do MPF. Na ação, ele alega desrespeito à vontade do paciente e cobra "reforço no ensino de medidas alternativas à transfusão de sangue". Wolff não quis dar entrevista. Procurado pela BBC Brasil, seu advogado também não se manifestou.

Ler o inquérito é desenrolar um novelo em um labirinto de fatos e nomes e perceber de que modo se relacionam. Anexado ao inquérito sobre o caso Wolff está o de Luis Augusto do Nascimento, internado em novembro de 2011 no Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia (Into), no Rio, para uma cirurgia na coluna. Cardiopata e usuário de marca-passo, Nascimento, testemunha de Jeová, não autorizou a transfusão caso ela fosse necessária.

O Into lhe deu alta, argumentando que a cirurgia oferecia risco de sangramento e que necessitava da autorização para eventual transfusão. Um amigo de Nascimento, Washington Salvioli Salgado, procurou o MPF, que abriu investigação.

Em 2013, o Into informou ao MPF que ofereceu a Nascimento a possibilidade de autotransfusão, ou seja, retirar o próprio sangue do paciente, armazená-lo e usá-lo na cirurgia. Mas Nascimento não foi mais localizado, e o inquérito foi arquivado.

À BBC Brasil, Salvioli disse que o amigo morreu há cerca de um ano, sem ter feito nem a transfusão nem a cirurgia.

Em nota, o o Into informou que realiza de 45 a 55 cirurgias de média e alta complexidade por dia e que 10% delas exigem transfusões de sangue, sendo oferecida a autotransfusão. Mas que é necessário que o paciente ou seu responsável legal autorize o procedimento.
Pela vida de Luana

Do novelo do inquérito do caso Wolff surgem outros casos pelo país. Aos 9 anos, Luana Manske foi internada em 2014 no Cias, hospital da Unimed em Vitória, para se tratar de leucemia linfoide aguda.

Seus pais, testemunhas de Jeová, não assinaram a autorização para a transfusão de sangue, e a Unimed entrou na Justiça. "Como a menina era menor de idade, a Justiça autorizou sem dificuldades", lembra o advogado da Unimed Vitória, Marcelo Devens.

O pai de Luana, o empresário Evanildo Manske, disse que conversou com os médicos sobre os impedimentos que sua religião impõe. Segundo ele, os médicos utilizaram no tratamento hemoderivados fracionados do sangue, ou seja, pequenas quantidades de elementos do sangue.


Este tipo de procedimento é considerado pelas testemunhas de Jeová como "uma questão de consciência", ou seja, o fiel decide se quer ou não aceitar. Para salvar a filha, ele aceitou.


"Os médicos me garantiram que não foi transfusão. Não aceitaria pertencer a uma religião que teria que deixar um filho morrer para agradar a um ser num universo que a gente nunca viu. Não sou um fanático. Quem é pai sabe", afirma.

Luana, aos 10 anos, está quase concluindo o tratamento. Seus pais criaram uma página no Facebook para que amigos possam acompanhar sua recuperação. A família segue como testemunha de Jeová e Luana foi batizada na religião. No ano que vem voltará para a escola.
Questões bíblicas

Criada nos Estados Unidos no fim do século 19, a organização religiosa Testemunhas de Jeová tem 8 milhões de adeptos em 239 países, segundo seu site oficial, e 800 mil no Brasil. Deus recebe o nome de Jeová, e os adeptos seguem a Bíblia, mas não acreditam no princípio da Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo unidos num só Deus Todo Poderoso).

Entre suas práticas religiosas está a proibição de que os fiéis se submetam a transfusões de sangue, graças à interpretação que fazem da Bíblia a partir de versículos de vários livros, como Gênesis e Atos dos Apóstolos. Neste último, recomenda-se que o homem se abstenha "de coisas sacrificadas a ídolos, de sangue, do que foi estrangulado e de imoralidade sexual".

O sangue é entendido como sinônimo de vida e a transfusão, como um pecado que corrompe sua pureza.

"A gente não fala em punição para quem descumpre. Mas é a integridade de um princípio que deve ser preservada. A Bíblia não fala em exceção", afirma o engenheiro Guilherme Rabello, membro da Colih (Comissão de Ligação com Hospitais), órgão que a Associação Torre de Vigia, que reúne as testemunhas de Jeová, mantém para acompanhar casos médicos.

Segundo Rabello, estão barradas a transfusão de sangue total e a de qualquer um de seus quatro principais componentes (glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas e plasma), porque eles mantêm a simbologia bíblica do sangue. Quanto à terapia com hemoderivados fracionados (receber só a proteína albumina ou o fator Rh, por exemplo), cabe ao fiel decidir.

É a questão de consciência de que falou o empresário Evanildo Manske, pai de Luana. Rabello destaca, no entanto, que a literatura médica mostra procedimentos capazes de reduzir o uso de transfusões.

Resolução

A resolução 1.201/80 do Conselho Federal de Medicina estabelece que, se houver recusa de permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo ao Código de Ética Médica, deve agir da seguinte forma: se não houver iminente perigo de vida, respeitará a vontade do paciente ou dos responsáveis; se houver iminente perigo de vida, praticará a transfusão mesmo sem consentimento do paciente ou de seus responsáveis.

Em agosto de 2014, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu da acusação de homicídio um casal de testemunhas de Jeová que proibiu a transfusão de sangue na filha de 13 anos, com grave anemia.

Para os magistrados, os pais não poderiam ser responsabilizados pela morte e os médicos deveriam ter cumprido seu dever apesar da resistência da família. Pela decisão, a invocação religiosa deve ser indiferente aos médicos, que têm o dever de salvar vidas.

O tema segue longe da unanimidade, o que deixa mais difícil o trabalho da procuradora da República Ana Padilha Luciano de Oliveira, da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro, onde está hoje o inquérito do caso de Aldo Wolff. Uma audiência pública foi convocada para ouvir as partes.

"O direito à vida inclui uma vida digna, conforme seus princípios. A gente pode achar absurdo abrir mão da possibilidade de viver, mas, para analisar um caso assim, é preciso se despir de conceitos e preconceitos", afirma ela.

Chamado a se pronunciar, o Conselho Federal de Medicina (CFM) informa, em ofício datado de 30 de setembro, que a resolução 1.201 caminha para ser alterada. Foi aprovado em 2014 um parecer do conselheiro Carlos Vital propondo a revogação da 1.201, mas não há prazo para isso. "O CFM aguarda as conclusões das diretrizes orientadoras de seguras indicações de transfusões de sangue."

Tais diretrizes estão sendo elaboradas sob responsabilidade da sua Câmara Técnica de Hematologia e abrangerão todas as circunstâncias de transfusões sanguíneas, inclusive aquelas nas quais estarão envolvidas as questões dogmáticas.

"Após as conclusões, a plenária do CFM fará suas avaliações e emitirá uma pertinente resolução sobre as seguras indicações das transfusões de sangue", afirmou Carlos Vital em e-mail enviado pela assessoria do CFM.

O inquérito do caso Wolff havia sido arquivado em 2013 pelo procurador Alexandre Ribeiro Chaves, sob a argumentação de que o direito à vida deve prevalecer sobre a liberdade religiosa.

Na segunda instância, o procurador regional Rogério Nascimento desarquivou o caso em fevereiro deste ano citando, entre outros argumentos, um emitido em abril de 2010 pelo hoje ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, a pedido da Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro. Barroso considerou legítima a recusa de transfusão de sangue por parte das testemunhas de Jeová, entendendo que a decisão se funda no exercício de liberdade religiosa.

Nascimento alerta ainda para um ponto crucial, o inútil debate sobre a crença: "Não cabe análise sobre a razoabilidade da crença. Fosse assim, acabariam protegidas apenas as convicções religiosas mais ajustadas à conduta social dominante".

Para José Francisco Marques Júnior, médico do Hemocentro da Unicamp, integrante da Comissão de Hematologia do CFM e diretor da Associação Brasileira de Hematologia (ABHH), é necessário também que médicos avaliam a necessidade de transfusões. Ele cita estudos mostrando que 40% das transfusões feitas nos Estados Unidos são desnecessárias – não há dados do Brasil.

"Costumo recomendar uma conversa com o paciente, longe de parentes e líderes religiosos, para que ele entenda as consequências da decisão. O médico existe para salvar vidas. A melhor atitude é a que a consciência indica", afirma.

17 comentários:

  1. Em Portugal essa questão não se põem.
    Qualquer pessoa que necessite de uma transfusão de sangue mas que não tenha o direito de decidir por si própria (menores de idade, deficientes mentais, ou idosos que já não estejam nas suas faculdades mentais) os familiares não têm voto na matéria.
    Os médicos é que decidem!
    José Elias

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    1. Acredito que aqui no Brasil tbm já teve casos similares, a justiça interveio e conseguiu que a pessoa que necessitava dá transfusão passasse pelo procedimento independente da crença.

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  2. MInha opinião: FALTA DE AMOR..... FALTA DE ENTENDIMENTO BÍBLICO!!!

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    1. Pelo menos eu,prefiro perder minha vida aqui nesse sistema de coisas que a vida eterna

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    2. E se não existir essa vida eterna? Como pode ter tanta certeza que ela existe? Já viu alguém que alcançou essa tal de vida eterna pra vir contar pra nós?

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  3. Os TJ não doam sangue e nem recebe transfusões. Edileusa Oliveira.

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  4. se o corpo governante liberar transfusões como já aconteceu no passado com vacinas e transplantes os TJs que perderam familiares vão beber até sangue de raiva e isso já se faz quando se aceita remédio fabricados com frações de sangue, aqui esta o verdadeiro conflito "Transfusões X frações de sangue"

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  5. Rutherford Joseph armou uma bomba no passado agora nao ha como desarmar sem implodir a torre eles vao diluindo a doutrina do sangue ate quem sabe acabar

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  6. Lívia Yukishiro
    Meu avô, hipertenso e diabético, q nem TJ era, quase morreu numa cirurgia do coração por falta de transfusão pq a família não autorizou.
    Mas teve várias complicações ao longo dos anos, teve q fazer várias outras cirurgias, todas sem sangue, e acabou falecendo em 2011.
    Não posso afirmar com certeza a causa da morte pois ele e eu fomos internados no mesmo dia, em cidades diferentes, e qnd eu saí do hospital ele já havia falecido e enterrado a alguns dias (só soube da morte dele um dia antes de eu ter alta). Mas posso afirmar com certeza que os médicos insistiram muito para o tratamento com sangue, dizendo que ele se recuperaria melhor com uma transfusão, mas minha família foi contra em massa e os poucos não TJS da família não tiveram como reverter a decisão da minha tia q era curadora legal dele

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  7. Eu só posso me alimentar por meio do meu sistema digestivo que se inicia na boca passando pelo esôfago, estômago, intestinos,etc Agora uma Testemunha alegar que um procedimento médico como uma transfusão de sangue é uma forma de se alimentar, é o mesmo que dizer "para que Deus fez todos estes orgãos do sistema digestivo se posso injetar alimentos direto nas veias?'
    Oliveira Fox

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    1. Então e um bébé no ventre materno alimenta-se como?Não recebe da mãe sangue por meio do cordão umbilical?

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  8. OLA PESSOAL.tudo que sobe a tendência é cair,enquanto os TJ dominavam ,levavam de porta em porta,éra mais fácil conquistar adeptos,hoje a mentalidade, dos jovens é outra,e a mídia mostra tudo,eles caíram do cavalo,com esse negocio de sangue.tive a oportunidade,de lêr sobre os Póvos gliptolítico que habitaram o Peru,nós chegamos em transplante,até de coração eles faziam até de cérebro com o sangue de mulheres virgem menstruadas para não dar rejeição esse livro mostram com fatos e fotos sobre esse povo eu recomendo aos interessados inclusive ao galli e ao PASCOAL é um livro de fácil entendimento apenas 207 páginas é encontrado na livraria Saraiva, o nome é.EXISTIU OUTRA HUMANIDADE É DE J BENITEZ É MUITO BOM UM ABRAÇO PARA TODOS.

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  9. Falta de ler a Bíblia e problemas de interpretação de texto.Aff falar é fácil quero ver deixar teu filho morrendo e só olhar."PÕE CARGOS PESADOS AOS HOMENS QUE NEM ELES CONSEGUEM CARREGAR "

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    1. Qm disse q morre... Os tjs falam isso pq sabem q existe outro modo de filtrarco sangue... Nn soh um mas muitos

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    2. E nós casos de acidentes em que a pessoa perde sangue? Nesta situação, não tem como fazer filtração de sangue.

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  10. Lembrem-se, pela nao obediencia a Jeová o único Deus verdadeiro só sobraram oito pessoas aonde?

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